Três prédios do Conjunto Habitacional Juscelino Kubitscheck foram demolidos em Rio Doce (Leandro de Santana/Esp. DP Foto)
O relógio apontava 1h30 na madrugada do dia 12 de dezembro de 1999, quando o Edifício Ericka desabou no bairro de Jardim Fragoso, em Olinda, e provocou a morte de quatro pessoas, entre elas três crianças, e deixou outros quatro feridos. Começava ali um pesadelo que não se restringiria aos 21 moradores daquele prédio, mas também atrapalharia o sono das demais famílias residentes de edifícios 'caixões' da Região Metropolitana do Recife.
Décadas se passaram e com elas vieram diversos e arrastados processos judiciais, que se acumulam à medida em que os prédios com risco de colapso são condenados e desocupados pela Defesa Civil. Mas enquanto a solução não chega para os diversos moradores lesados com a perda dos bens, Olinda iniciou a demolição das primeiras unidades, em ação que visa evitar de vez tragédias como a do Edifício Ericka. Após o Edifício Verbena ser demolido na última sexta (18), ontem foi a vez de três prédios do Conjunto Habitacional Juscelino Kubitscheck, em Rio Doce. E outros também estão na lista.
"É o início da nova movimentação que a Prefeitura de Olinda vem fazendo para que o problema dos prédios do tipo 'caixão' tenham um ponto final. Foram ordens judiciais, que autorizam o município a notificar e responsabilizar as seguradoras proprietárias dos prédios em risco, para que elas derrubem esses edifícios. É preciso enfrentar esse problema, para de uma forma derradeira livrar a cidade e a Região Metropolitana desse risco", explica o procurador municipal de Olinda, Paulo Maciel.
A ação é coordenada com apoio de diversas entidades do poder público municipal, sem gerar custos com a mão de obra. Além disso, a depender de um estudo a ser realizado, o terreno desocupado ainda pode gerar ativo para a prefeitura, segundo aponta Paulo Maciel.
"O Judiciário responsabiliza as seguradoras como proprietários, e elas precisam arcar. A Prefeitura não gastou um centavo e poderá analisar a existência de interesse público em algum desses espaços. Mas para isso serão estudados vários critérios com planos urbanísticos da cidade. Não é algo pontual", aponta o procurador, antes de ressaltar. "Porém o foco neste momento é evitar os riscos de desabamento, tanto para possíveis ocupantes irregulares e moradores vizinhos, quanto evitar que esses prédios desocupados se tornem pontos de comercialização de ilícitos e prostituição."
Mas o que se torna motivo de alívio para alguns, também representa o agravamento de um sentimento de dor e perda para quem dedicou o esforço financeiro de uma vida inteira e hoje vê ruir o que restou de concreto. Pessoas como dona Edvalda Santiago, de 64 anos. Há 26 ela adquiriu um apartamento no habitacional que teve parte demolida ontem, em Rio Doce, interditado desde 2008. Se mudou com a família e hoje mora com a filha Samantha, de 33 anos.
"Até hoje a minha mãe sofre com isso. Ela ficou muito decepcionada e depressiva, porque foi um investimento da família inteira. E quando ela viu as imagens na televisão, o sonho da vida ir por água a baixo, voltou a chorar e ter problemas para dormir. Ninguém nos avisou nada", relata Samantha, que ainda aguarda um desfecho para a disputa judicial.
"O que nos foi dito à época é que seria feita uma reforma e nos devolveriam, mas os anos se passaram e nada. Muitas pessoas que tinham esse direito morreram sem nenhum centavo e até agora praticamente ninguém foi indenizado. A Caixa Seguradora fica nessa briga judicial e só recebemos um auxílio moradia de R$ 600 que não paga um aluguel no bairro", relembra.
Para Paulo Maciel, a Prefeitura não pode interferir na disputa entre famílias e seguradoras, embora disponha de tratativas para conciliação. "A gente lamenta que as seguradoras não tenham avisado aos proprietários (sobre a demolição) e a administração tem toda solidariedade com os fatos, entendendo que tudo isso vem trazendo sofrimento à população por diversos fatores. O mais sensível é a situação dos moradores, mas é uma relação privada entre os proprietários e as seguradoras. Não temos competência e nem permissão nesse debate."
"Temos uma câmara de conciliação para a matéria da administração pública e estamos estudando a possibilidade de convidar a seguradora e os proprietários para no âmbito de uma composição, auxiliar o Judiciário a achar um ponto em comum, mas depende de um grau de interesse das seguradoras, o que não me parece ser muito grande", completa o procurador.
Ainda outro fator que gera problemas é a habitação irregular, de famílias desabrigadas que ocupam os prédios condenados. Casos que o Ministério Público do Estado de Pernambuco (MPPE) atribui responsabilidade à prefeitura em desenvolver programas de habitação. "O município precisa ter uma política pública para contemplar essas pessoas, é um interesse social. Fazer um cadastro e ter uma lista dessas pessoas que precisam de uma moradia", aponta a promotora Belize Câmara.
De acordo com a Prefeitura de Olinda, não havia ocupantes nos três prédios demolidos em Rio Doce, apenas em Casa Caiada. "No Verbena tinham dois ocupantes, que nós cadastramos devidamente e estão sob análise. No Juscelino Kubitscheck não tínhamos ocupantes transitórios, que não são proprietários. Essas pessoas são analisadas no cadastro social da administração e verificamos o enquadramento", aponta Paulo Maciel, antes de alertar. "Às vezes conseguimos identificar ocupantes que têm domicílio em outras cidades, como Paulista e Recife."
Fonte: Diário de Pernambuco